Cadeirante- superação e determinação

Depois de uma longu�ssima história - quase a História da Humanidade - o tema da Acessibilidade começa a ser percebido em toda a sua extensão, no discurso legal ao menos.

Vítima de um acidente grave, uma mulher decide enfrentar todos os obstáculos em busca da maternidade. A recompensa veio em dose dupla.

“Essa história da praia, de pisar na areia é uma das coisas que eu mais sinto falta desde que eu sofri o acidente”, conta Flávia.

Flávia tem 34 anos. O acidente foi quando ela tinha 18, quando voltava de uma viagem com o namorado.

“Perdeu o controle, capotou, e quando o carro parou eu já senti um estalo no pescoço e parei de sentir o meu corpo do pescoço para baixo”, lembra ela.

Flávia ficou tetraplégica. Muitos diriam: “E viveu infeliz para sempre”.

Não, não a Flávia.

“Eu sou uma pessoa de muita sorte, as coisas na minha vida sempre deram muito certo”, diz ela.

Viver em uma cadeira de rodas não impediu Flávia de continuar vaidosa, ser bem sucedida profissionalmente e nem de sonhar, como qualquer outra mulher, em ser mãe.

E aí, começa uma outra história…

Quando a Flávia descobriu que estava grávida, o que ela mais ouviu dos médicos foi: dificilmente com a sua deficiência essa gravidez vai chegar até o fim. Mas ela não desistiu. Ela teve dois filhos de uma vez, os gêmeos Mateus e Mariana.

Fantástico: Em algum momento você pensou em desistir?

Flávia: Imagina, claro que não. Quando eu soube que eu tava grávida eu me senti abençoada e, desde o começo, eu tive muita certeza que ia dar tudo certo. As mulheres com deficiência não são encorajadas a engravidar. O que mais haviam eram perguntas sem respostas.

Fantástico: O médico está despreparado para receber uma paciente gestante tetraplégica?

Dra Míriam Waligora: Não está preparado porque eles não tiveram formação para lidar com as complicações da paraplegia e tetraplegia.

A Dra Míriam é uma das únicas especialistas no Brasil no assunto. E apesar de ser uma gravidez de alto risco ela quer que todos saibam: “A paraplégica engravida, dá a luz, é feliz com seus filhos”, alerta ela.

Fantástico: O médico que diz não, você não deve engravidar, ele tem preconceito?

Dra Miriam: Ele muitas vezes está sendo prepotente, porque na verdade está ali metabolizando: o que essa mulher vai fazer com filho, como é que ela vai correr atrás dele, como ela vai brincar com ele?

Fantástico: Tá julgando?

Dra Miriam: Tá julgando.

Fantástico: Qual era a reação das pessoas ao ver você grávida em uma cadeira de rodas?

Flávia: Quando eu dizia que eram gêmeos, as pessoas tinham certeza que tinha sido inseminação artificial. Acho que as pessoas não imaginam que exista vida sexual e, se existe, não imaginam que é possível ficar grávida.

Nem o marido dela, no início, não tinha essa informação.

“Primeiro quando a gente pensa em mulher a gente pensa em sexualidade. Será que eles fazem sexo? Quando eu andei em volta das pessoas, eu fui até em pessoas que tinham deficiência mais perto da Flávia, que pudessem me dizer um pouquinho sobre ela. Olha a Flávia sente, ela tem sensibilidade, ela não mexe as pernas mas ela sente o toque. Então o prazer é outro, quando a pessoa não tem sensibilidade é diferente, tem que buscar outras formas de prazer. Eu fui aprendendo sobre esse mundo mais complexo, eu acho que até mais feminino”, explica Pedro Corradino.

“Especialmente no Brasil a gente tem essa coisa muito forte da bunda e, quando você está sentada na cadeira, você não tem esse instrumento de sedução. Você tem que criar outros jeitos de seduzir quando você quer seduzir”, acredita Flávia.

Quando soube que estava grávida de gêmeos, Flávia decidiu transformar essa experiência em um documentário.

“Esse filme foi pensado para compartilhar a história da gestação e dos primeiros tempos depois do nascimento”, explica Flávia.

Mateus e Mariana estão com oito meses.

Fantástico: Flávia, você ta desenvolvendo outras habilidades conforme as crianças estão crescendo?

Flávia: Eu não tenho movimento nos dedos da mão. Eu aprendi um jeito de encaixar o talher na minha mão, usando o movimento de pinça e alavanca, sem que a deficiência que eu tenho, a falta de movimento nos dedos, me impeça de comer sozinha, ou de dar comida para os meus filhos.

Ela acompanha a troca de fralda, a hora de lavar o bumbum e quando mariana pede colo…

Fantástico: Poder pegá-los no colo, era um medo quando você engravidou?

Flávia: Eu sabia que eu podia pegar, mas eu tinha medo de não conseguir virar de um lado para o outro o nenê com conforto. Medo de derrubar, de machucar. Eles foram me ensinando a ser mãe e a cuidar deles. A gente foi tendo uma comunicação corporal mesmo.

Fantástico: Você acha que eles percebem quais são as suas limitações?

Flávia: Eu tenho certeza disso. No meu colo eles são muito mais comportados e obedientes do que no colo da tia, das avós, do pai. Eles sabem que comigo o comportamento tem que ser diferente porque eu sou diferente.

“A paraplégica que toma a decisão de engravidar, ela é em primeiro lugar uma heroína”, acredita a Dra. Miriam.

Fantástico: Você planejou?

Flávia: Não, foi um acidente. O melhor acidente da minha vida.

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